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Por Thais Cristina de Souza Miranda
LA Machado Advogados Associados

 Em recente sustentação oral perante a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Dra. Thais Miranda, advogada e sócia do escritório de advocacia L A Machado Advogados Associados, defendeu uma tese de profundo impacto social e jurídico: a impenhorabilidade do bem de família deve ser mantida mesmo nos casos em que se reconhece a fraude à execução, conforme o art. 792, inciso IV e § 1º, do Código de Processo Civil.

O cerne da argumentação reside na proteção da moradia como direito fundamental, nos termos dos arts. 5º, incisos XXII e XXIII e 6º da Constituição Federal de 1988, especialmente quando o imóvel, antes e depois da alienação considerada fraudulenta, manteve sua destinação como único lar da entidade familiar.

A questão, objeto de Embargos de Divergência no STJ, que se  encontra com julgamento suspenso devido ao pedido de vista do Ministro Relator Raul Araújo, coloca em rota de colisão dois importantes institutos do direito brasileiro: a proteção ao bem de família, consagrada na Lei nº 8.009/90, e a necessidade de coibir a fraude à execução, que visa garantir a efetividade do processo judicial e o direito do credor.

A tese sustentada, na qual ecoa o anseio de muitos juristas, propõe uma análise teleológica da norma, ou seja, uma interpretação que busca atingir a finalidade social para a qual a lei foi criada. A Lei 8.009/90 tem como objetivo primordial assegurar o direito à moradia, um dos pilares da dignidade da pessoa humana, conforme previsto na Constituição Federal.

O argumento central é que, se o imóvel já era o único bem da família, caracterizado como bem de família e destinado à sua residência antes da alienação, a declaração de fraude à execução não deveria ter o condão de automaticamente afastar a proteção da impenhorabilidade. Isso porque, na prática, a situação fática do bem não se alterou: ele continua a servir de teto para a família. A alienação, embora viciada do ponto de vista do direito do credor, não descaracterizou a sua natureza de bem de família.

O acolhimento desta tese pela Corte Especial do STJ representaria um avanço significativo na proteção dos direitos fundamentais e na humanização do processo de execução. A legislação, ao proteger o bem de família, não o fez por mero capricho do legislador, mas sim para garantir um patrimônio mínimo existencial, um refúgio seguro para o indivíduo e sua família em momentos de adversidade financeira.

A fraude à execução é, sem dúvida, um ato reprovável que atenta contra a boa-fé e a administração da justiça. No entanto, a sanção para tal ato – a ineficácia da alienação perante o credor – não pode, de forma automática e inflexível, sobrepor-se a um direito fundamental de magnitude superior, como o é o da moradia.

É preciso ponderar que, em muitos casos, a alienação do bem de família, mesmo que em um contexto que possa ser caracterizado como fraude à execução, é um ato de desespero do devedor, que busca, ainda que por meios questionáveis, preservar o único patrimônio que lhe resta. A perda deste imóvel para satisfazer o crédito levaria a família a uma situação de desamparo, contrariando o próprio espírito da lei.

O Superior Tribunal de Justiça, como guardião da legislação federal, tem a oportunidade de firmar um precedente que harmonize a aplicação da lei processual com os valores constitucionais, bem como orientar as instâncias inferiores ao julgar casos semelhantes a fim de evitar o aumento de recursos especiais ao egrégio Superior Tribunal de Justiça, uma vez consolidado o entendimento pela Corte Superior.

A tese defendida, norteada pelos direitos fundamentais do devedor e pela norma protetiva da Lei 8.009/90, não busca anistiar o devedor fraudulento, mas sim garantir que a punição pelo seu ato não resulte na aniquilação de um direito essencial à sua dignidade e de sua família.

Outra questão relevante é que, em recente decisão que consolidou o entendimento das turmas de direito privado, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, em fevereiro de 2025, no âmbito do EAREsp 2.141.032-GO, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, decidiu pela manutenção da impenhorabilidade do bem de família, mesmo nos casos em que se reconhece a fraude à execução, alertando que deve ser analisado o critério objetivo da situação fática do imóvel em discussão, antes e depois da alienação que, supostamente, se configurou a fraude à execução.

Portanto, a manutenção da impenhorabilidade do bem de família, mesmo diante da fraude à execução, quando mantida a sua destinação residencial, é uma medida de justiça social e de reafirmação dos princípios que norteiam o ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se de reconhecer que, na ponderação de interesses, o direito à moradia deve prevalecer, assegurando que o processo de execução, embora legítimo, não se transforme em um instrumento de desagregação familiar e social.